quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Clareando a Câmara de Barthes


Roland Barthes

“A foto é literalmente uma emanação do referente.
De um corpo real, que estava lá, e partiram radiações que vêm atingir, a mim, que estou aqui; pouca importa a duração da transmissão; a foto do ser desaparecido vem me tocar como raios retardados de uma estrela. Uma espécie de vínculo umbilical liga meu olhar ao corpo da coisa fotografada: a luz, embora impalpável, é aqui um meio carnal, uma pele que partilho com aquele ou aquela que foi fotografado.”



A Câmara Clara, 1980 Roland Barthes; uma meditação sobre a Fotografia, a Vida e a Morte. Um caráter emocional que nasce de uma simples foto da sua mãe em contraste com a linguagem analítica sobre a imagem fotográfica. A essência da fotografia e a morte de um ente querido; a mão do homem sobre a imagem ligada a um referente. Uma busca do significado da fotografia que resulta num ensaio obrigatório para entender a essência da imagem, os segredos por trás da fotografia, o efeito da fotografia no espectador.


O livro se desenvolve em duas partes: a primeira, onde o autor elabora uma metodologia que o auxiliará na resolução crítica da fotografia; a segunda é a formatação do seu pensamento e teoria.

Observou que na fotografia existiam algumas classificações intrínsecas, no que se refere seu corpus:

Fato/Empíricas (Profissionais/Amadoras);
Retóricas (Paisagens/Objetos/Retratos/Nus);
Estéticas (Realismo/Pictorialismo).

Porém, sem relação com sua essência, ela seria inclassificável. “Ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente.” (BARTHES, 1984:13)

A Fotografia seria objeto de três práticas: fazersuportar e olhar.

1. O fazer seria o fotógrafo, que ele denomina de: Operator;
2. O suportar realizado por consumidores de imagens, que ele denomina de: Spectator;
3. O olhar seria do referente, no que ele denomina de: Spectrum. Este último, como um símbolo de retorno do morto.

“Diríamos que a fotografia sempre traz consigo um referente, ambos atingidos pela mesma imobilidade amorosa ou fúnebre, no âmago do mundo em movimento: estão colocado um ao encontro do outro, membro por membro, como o condenado acorrentado a um cadáver.” (BARTHES, 1984, p. 15).

Tendo o gesto do Operator, o de surpreender o Spectator, isto traduzido em desempenhos, como: raridade do referente; apreender um gesto no seu trajeto efêmero; proeza; exploração das limitações e defeitos; e ter um grande “achado”, o inédito.

A Fotografia apresenta uma dualidade de elementos, onde um deles exige do spectator um reconhecimento cultural, gerando um gosto inconsequente, isto seria o Studium: um conjunto de elementos que denotam a história e características na fotografia; o outro seria um ponto de atração visual, o Punctum.

“Reconhecer o Studium é fatalmente encontrar as intenções do fotógrafo, entrar em harmonia com eles, aprova-los, mas nem sempre compreendê-las, discuti-las em mim mesmo, pois a cultura é um contrato feito por criadores e consumidores.” (BARTHES, 1984, p. 48).

Sobre o punctum, delimitado ou não, trata-se de um suplemento, acrescendo à foto algo já existente nela. Algo que não é estabelecido pelo operator, pois é uma relação de pós -produção, a imagem pronta nas mãos do spectador. Não seria possível estabelecer uma regra de ligação entre os dois elementos, o studium e o punctum. É uma co-presença, uma casualidade explicando o detalhe. O fascino do spectador com o ponto de magnetismo visual. Segundo o autor, toda foto é um contingente, e só pode significar assumindo uma máscara. Cita Calvino para designar a máscara, sendo uma face do produto de uma sociedade e sua história. “A máscara é o sentido, na medida em que é absolutamente pura...”. Pag. 59. E associa à mitologia, citando grandes retratistas como mitólogos: Nadar (A Burguesia Francesa); Sander (os alemães da Alemanha pré-nazista); Avedon (a high-class NY).

Comenta sobre uma Fotografia Unária, na qual seria uma fotografia contida de toda informação; sem ruídos e contrapontos, exemplifica com a fotorreportagem e a pornográfica. Com esses contrapontos Roland Barthes elabora a metodologia para a teoria desenvolvida na primeira parte do livro. Na segunda parte analisa uma fotografia em particular: a fotografia do Jardim de Inverno, uma fotografia onde continha a imagem de sua mãe. Através desta fotografia ele analisa, com seus novos parâmetros, sobre a Fotografia e ao final, seus próprios conflitos.

“Decidi então “tirar” toda a Fotografia (sua natureza) da única foto com segurança existiu para mim, e toma-la de certo modo de guia de minha última busca. Todas as fotografias do mundo formaram um labirinto. Eu sabia que no centro desse labirinto não encontraria nada além do que essa única foto, cumprindo a palavra de Nietzsche: um homem labiríntico jamais busca a verdade, mas unicamente sua Ariadne. A Foto do Jardim de Inverno era minha Ariadne, não porque ela me fizesse descobrir uma coisa secreta (monstro ou tesouro), mas porque me diria que era feito esse fio que me puxava para a Fotografia”. (BARTHES, 1984, p. 109).

Diferencia a fotografia da pintura. Exemplifica que a pintura pode simular a realidade sem tê-la visto. Ao contrário, a Fotografia jamais se pode negar que a coisa esteva lá. Isso por causa do seu referente, que é a ordem fundadora da Fotografia. Seria então um “Isso-Foi”, ou ainda: o Intratável. Segundo o autor, “Tal seria o destino da Fotografia: ao me fazer crer que encontrei a Verdadeira Fotografia Total, ela realiza a confusão inaudita da Realidade (Isso-Foi) e da Verdade (É Isso).” (BARTHES, 1984: 158).

Explica que equivocadamente que em virtude de sua origem técnica associam a fotografia com a câmara obscura, porém demonstra que se deveria dizer câmara lúcida. Este um aparelho que permitia desenhar um objeto através de um prisma com o olho a modelo e outro no papel.

É emanação do referente, não importando o tempo, a emanação está presente. Por isso demonstre um favoritismo para a fotografia Preto e Branco: “... a cor é um revestimento aposto ulteriormente sobre a verdade original do Preto-e-Branco.” (BARTHES, 1984, p. 122).

Descobre um novo “estigma” que não o “detalhe” na Fotografia. Seria um novo punctum, que não seria de forma, mais de intensidade: O Tempo. Fala sobre a imobilização do Tempo ocorre de um modo excessivo “monstruoso”, sendo obstruído. É o modo como nosso tempo assume a morte, sob o álibi denegado perdidamente vivo, de que o fotógrafo é o profissional.

“A Vida/a Morte: o paradigma reduza-se a um simples disparo, o que separa a pose do papel final (...) a História é uma memória fabricada segundo receitas positivas, um puro discurso intelectual que abole o Tempo mítico; e a Fotografia é um testemunho seguro, mas fugaz.”. (BARTHES, 1984, p. 138 e 139).

E em outro trecho: “A foto é como um teatro primitivo, como um quadro vivo, a figuração da face imóvel e pintada sob o qual vemos mortos.” (BARTHES, 1984: 54). Finaliza sobre o último ponto de parâmetro que seria o “ar”. Uma transmissão do estado de espírito; o temperamento do Referente revelado pela imagem.


“Como um suplemento da identidade (...) que é dado graciosamente, despojado de qualquer “importância”: o ar exprime o sujeito, na medida em que ele não se dá importância. O ar é assim, a sombra luminosa que acompanha o corpo; se a foto não chega a mostrar esse ar, então o corpo vai sem sombra, como no mito da Mulher sem Sombra, resta só o corpo estéril.”