Che Guevara - por Alberto Korda |
A memória é seletiva e o ato de fotografar também. Se o fotógrafo não dominar o programa no aparelho será programado por ele. O ato de fotografar, segundo
Susan Sontag, seria uma transparência seletiva, diferente do pintor que faria somente uma interpretação seletiva.
A memória social, como a individual, é seletiva, os princípios de seleção variam de lugar para lugar, ou de um grupo para o outro, e se transformam na passagem do tempo. Os mecanismos de seleção se encontram nos valores e sentimentos dos indivíduos, bem como na pressão social e na associação de ideias. Os valores dos indivíduos são constituídos socialmente, é o que eles consideram importante, relevante, significativo; a importância do caráter significativo foi ressaltada por Halbwachs. Os valores não são, por conseguinte, produtos naturais, já que não são propriedades das coisas e sim atribuições que os indivíduos e grupos fornecem às coisas. Este processo é constituído socialmente. No caso do indivíduo, é através de seu processo histórico de vida, desde sua socialização, que ele vai produzindo os seus valores e colocando alguns como fundamentais em sua escala, que pode, inclusive, ser contraditória.
Com o fotógrafo não é diferente, é um homem que age através do poder[1] concedido pela a máquina fotográfica. Como se possuísse o fotografável determina o quê e como representar. Como guardião, seleciona o que será lembrado. Sua seleção inicia-se na pré-visualização, e nos seus parâmetros culturais; conceitos em cenas. Transcodificando estes parâmetros em imagens técnicas. Traduzindo ideias em conceitos. Cada fotografia é uma cena privilegiada, um instante selecionado do momento. Segundo Susan Sontag: “A fotografia não é só pseudopresença, mas também símbolo de ausência.” (SONTAG, 1981: 16). Isso demonstra essa característica seletiva do fotógrafo, o que representar num lugar e como.
Existem alguns controles técnicos que determinam a linguagem fotográfica, como lentes especializadas, enquadramentos e fotometria. Mas há também uma intensão de mensagem, e pra isso o fotografo estabelece um punctum[2], mesmo que não saiba como, o fotografo determina esse ponto, selecionando o que se deve olhar na imagem. Faz um jogo de percepções com receptor.
Barthes se aprofundou e analisou estas questões perceptivas na imagem fotográfica. Tendo o gesto do Operator (fotógrafo) o de surpreender o Spectator (receptor), isto traduzido em desempenhos, como: raridade do referente; apreender um gesto no seu trajeto efêmero; proeza; exploração das limitações e defeitos; e ter um grande “achado”, o inédito. Observou que na fotografia existiam algumas classificações intrínsecas, no que se refere seu corpus:
· Fato/Empíricas (Profissionais/Amadoras);
· Retóricas (Paisagens/Objetos/Retratos/Nus);
· Estéticas (Realismo/Pictorialismo etc.).
A Fotografia apresenta uma dualidade de elementos, onde um deles exige do spectator um reconhecimento cultural, gerando um gosto inconsequente, isto seria o Studium: um conjunto de elementos que denotam a história e características na fotografia; o outro seria um ponto de atração visual, o Punctum. “Reconhecer o Studium é fatalmente encontrar as intenções do fotógrafo, entrar em harmonia com eles, aprova-los, mas nem sempre compreendê-las, discuti-las em mim mesmo, pois a cultura é um contrato feito por criadores e consumidores.” (BARTHES, 1984: 48). O punctum, delimitado ou não, trata-se de um suplemento, acrescentando à foto algo já existente nela. Não seria possível estabelecer uma regra de ligação entre os dois elementos, o studium e o punctum; é uma co-presença, uma casualidade explicando o detalhe.
Além destes fatores, a fotografia possui um estigma que não o “detalhe”. Seria um “novo punctum”, que não seria de forma, mais de intensidade: O Tempo. De acordo com que o tempo se revela, é revelado também o tempo do fotógrafo. O fotógrafo não só escolhe quando vai fazer, o horário, como também enquanto tempo. Essa relação de tempo pode ser registrada quando o movimento é priorizado. É um lapso do tempo selecionado pelo o fotógrafo. Um tempo do fotógrafo. Barthes fala sobre a imobilização do Tempo ocorre de um modo excessivo “monstruoso”, sendo obstruído. É o modo como nosso tempo assume a morte, sob o álibi denegado perdidamente vivo, de que o fotógrafo é o profissional.
Um último ponto de parâmetro seria o “ar”. Uma transmissão do estado de espírito; o temperamento do referente revelado pela imagem. Como um suplemento da identidade, despojado de qualquer “importância”. O ar exprime o sujeito, na medida em que ele não se dá importância. Neste caso o “fotógrafo-flâneur” tem de estar imerso na realidade, seleciona das expressões do personagem aquela que vai traduzir simbolicamente o referente. Como a fotografia de Che Guevara, realizada pelo Alberto Korda, tornou-se uma das fotos mais reproduzidas de todos os tempos.
A fotografia é um convite à dedução, à especulação à fantasia. O receptor ao analisar uma imagem fotográfica, seleciona o que vê, e a intensão selecionada do fotografo ifluencia essa seleção do recptor. O recptor como referente seleciona quais imagens vão traduzir sua vida, quais as que vai compartilhar. O fotografo seleciona como estas imagens serão visualizadas, antes do receptor, o fotografo selecionou uma visualidade, selecionou um tempo, selecionou uma linguagem, selecionou seu referente e o que será imortalizado.