quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Verdade, Beleza e Bondade




                                                                                                          fotografia da pintura rupestre - Mão em Negativo

"...as imagens técnicas (e, em primeiro lugar, a fotografia) deviam constituir denominador comum entre conhecimento científico, experiência artística e vivência política."

                                          Filosofia da Caixa Preta - Vilém Flusser



                                                                                 

Vilém Flusser, em Filosofia da Caixa Preta, fez um ensaio filosófico da Fotografia através de reflexões sobre a história da imagem. Dos seus registros mais antigos em cavernas até em imagens técnicas da civilização de hoje. Apresenta uma visão sociopolítica do universo ético da imagem como mediadora entre o homem e o mundo. Utiliza do pensamento filosófico de Platão e demonstra a relação da imagem técnica com os arquétipos de Verdade, Beleza e Bondade. Onde são plasmadas, respectivamente, em conhecimento científico, experiência artística e modelo de comportamento na vivência política

No arquétipo Verdade como conhecimento científico, procura ter um pensamento filosófico em relação à história da imagem,  da evolução da representatividade durante a história e o aprimoramento como informação.

 A imagem é simplificada e possui imperfeição. É representação do mundo concreto real, longe de ser o real. É uma abstração de duas das quatro dimensões de tempo-espaço. Subtração da profundidade, pois a imagem é plana, e o tempo, que apesar de seus elementos darem uma noção de quando foi feita a imagem, é atemporal e existirá em vários momentos. Essa abstração é fruto da imaginação, onde essa imagem criada na mente representando algo é transposta de forma simplificada em uma superfície. Ela é conotativa e cada elemento significa o outro. Provoca uma leitura circular, e o tempo do olhar na imagem é um eterno retorno. Sua função é de mediadora entre o homem e mundo, servem de parâmetro para a interpretação do mundo concreto. Segundo Flusser, “o significado das imagens é o contexto mágico das relações reversíveis”. 

Essa imagem tradicional é representativa e os elementos que a constituem são desfragmentados em símbolos e o plano é rasgado em retas. Resta o conceito e a demonstração que houve mais uma abstração. Através desses símbolos rasgados nasce a escrita, uma nova forma de decodificar as imagens, abstraindo todas as dimensões de tempo-espaço, havendo assim uma necessidade de conceituação. Transcodifica cenas do tempo mágico circular em processo com conceitos numa forma linear racional. 

No processo de codificação desses conceitos, simplifica seus elementos e cria signos para serem decodificados. Esses signos são alinhados e organizados em programas para melhor interpretação da mensagem. Isto é o texto; imagens significadas pelos conceitos. Nova forma de mediação entre o homem e o mundo. Os textos e as imagens tradicionais se complementam e dialogam. Porém, os códigos ficam cada vez mais conceituados através da abstração mental, o que tornam mais difíceis de serem decifráveis. O texto substitui a imagem que pretende representar, distancia o homem do mundo concreto. O homem passa a viver em função do texto, e o mundo passa ser a abstração explicada pelos textos. 

Cria instrumentos concretos, através da racionalidade abstrata do texto científico, para que atuem na sua realidade. Esses instrumentos são extensão da capacidade humana; e a evolução da maneira de como o texto científico interage na realidade cultural desenvolve instrumentos ainda mais complexos, as máquinas. Sua função é de transformar a natureza concreta em objetos imaginados por textos abstratos. Esses objetos são instrumentos, porém com outra função, estão disponíveis em prol de algo para o homem. Não mais para o trabalho, mas principalmente para seu universo cultural; para produzir objetos que são consumidos ou objetos que produzem bens para consumo. Com a revolução industrial o homem passou a viver em função das máquinas. Na evolução da interação com elas nasce o aparelho. Hoje eles simulam olhos como o aparelho fotográfico ao cérebro como os computadores; informam  e facilitam nossa comunicação.  

Nesse universo que nasce a imagem técnica. Fruto do texto científico transformado em objeto. Uma terceira abstração do real. Imaginam um mundo imaginado por textos, que são consequência das imagens tradicionais. Resulta no retorno para origem de sua forma informativa, seus elementos são conotativos como o da imagem tradicional, no entanto ontologicamente diferentes. Caracteriza como fruto pós-histórico, sendo a imagem tradicional um fruto pré-histórico; assim possível pela consciência histórica linear provocada pela a escrita. Torna-se assim, consequência de todo ato humano, pois tudo tende a ser registrado pela a imagem técnica. 

Esse processo histórico da imagem é consequência do universo humano. Relação dual; diálogo entre o homem e seu mundo, refletido no seu comportamento cultural. Visão da Verdade que se manifesta em Beleza; conhecimento científico que se manifesta em experiência artística. Experiência que nasce da relação ética com a imagem. 

Como no mito da caverna, de Platão, o homem vê os reflexos das imagens projetados na parede. Vê a imagem como mundo real, não lê seus elementos, só a informação superficial. A má interpretação dos seus elementos, o leva a ilusão do real, na idolatria. Incapaz de decifrar os significados, o homem acredita que aquela imagem é real. Acontece também com o texto, por ser também imagem, mais simplificado é mais difícil de decifrar; a consequência é a textolatria. O homem abstrai o mundo e o racionaliza para uma melhor interpretação da realidade. E a interpretação e compreensão da mensagem estão subordinadas ao intercâmbio de informação entre sujeitos ou objetos.  

Para a Semiótica, o ato de comunicar é a materialização do pensamento e sentimento em signos. Estes símbolos são transmitidos e reinterpretados pelo receptor. E a comunicação é um processo que envolve a troca de informações, e utiliza os sistemas simbólicos como suporte para este fim. Permite interagir com outras pessoas e efetuar alguma troca informacional. Os componentes da comunicação são o emissor, a mensagem, o receptor, o canal de propagação, a resposta e o ambiente onde o processo comunicativo se realiza. Este processo da comunicação pode sofrer interferência do ruído, e a mensagem não ser compreendida em sua totalidade.  

O canal é a imagem, e o homem emite e recebe as mensagens inseridas na imagem. Esta produzida dentro do aparelho. Caixa Preta programada por textos científicos; luz e sombra (ausência de luz) fixadas na superfície; um e zero, abstração do intelecto, razão. Distancia-se ainda mais do mundo concreto através do aparelho, que é objeto retirado da natureza com função de ser extensão do orgão humano. O aparelho, ou seja, a câmara fotográfica permite ao homem capturar uma imagem; um produto que serve para gerar produtos. A máquina de fotografar é uma prolongação não só dos olhos do fotógrafo, mas também da sua mente e do seu dedo. Uma caixa mágica capaz de produzir imagens. Liberta o homem do trabalho, diferente do pintor que trabalha com pincéis ou do proletáriado que usa ferramentas no seu ofício, utiliza o objeto como um brinquedo, gerando inúmeras imagens, como num  jogo.

O ato de fotografar é como o de caçar, sendo o fotógrafo o caçador “armado” com sua câmara fotográfica para fazer imagens inéditas, que interessam e informam. Movimenta-se como um predador, lança uma flecha num ato automático de apertar um botão. Instantes presos numa percepção atemporal; uma experiência metafísica, onde transcende o presente para eterniza-las num futuro. Se consciente, assemelha-se com um praticante do Bushido; sem conhecer o processo, o fotógrafo não reconhecerá o real valor da imagem. O papel do fotógrafo é eternizar momentos em imagens, e que estas precisam ter algum significado, que exija interpretação do receptor para sua compreensão, o que acaba na formação de uma crítica fotográfica na mente do receptor. Assim, é necessário ter discernimento para encontrar, num mundo cheio de imagens, aquelas que possam significar alguma coisa e que possam adquirir valor. 

A manipulação da imagem é influenciada pelo fotógrafo, que por sua vez é influenciado pela indústria fotográfica, e assim, a imagem chega ao receptor de forma bastante distorcida por interesses dos envolvidos no ato de fotografar. Uma situação não pode ser fotografada exatamente como acontece, e, por isso, é necessário que o fotógrafo faça uma seleção em seqüência de um número de fotos que possam ilustrar o acontecido da forma mais realista possível. Só que a prática fotográfica obedece a certas regras e restrições de aparelhagem, de iluminação, além do ponto de vista do fotógrafo. 

Fotografias induzem o receptor a imaginar algo, dependendo assim de um raciocínio para a interpretação da fotografia. Fruto de duas ciências, física e química, imaginam conceitos de determinadas teorias, e racionaliza através do preto (ausência) e branco (todas as frequências luminosas); mundo que não existe, pois vivemos na diversidade das cores. Porém as cores da fotografia acabam por torná-las dependentes da tecnologia usada para que existam, subestimando o valor que a imagem impressa possui. A fotografia precisa ter valor para o receptor. Como objeto, a fotografia não tem valor nenhum, pois é algo bastante comum que pode ser criado por qualquer pessoa. O que importa na realidade é a capacidade do fotógrafo de retratar momentos que tenham significado. Muitas vezes achamos que estamos eternizando um momento, quando na verdade, somos simplesmente seduzidos a fazer uma fotografia sem valor algum. 

A distribuição das fotografias para o público receptor pode ser multiplicada diversas vezes, o que a diferencia de outros tipos de imagem. Há manipulação na imagem para o benefício do fotógrafo ou do meio de distribuição; utilizados como notícia, publicidade ou como forma de arte. Uma fotografia pode ter valor comercial, informativo ou essencialmente artístico, dependendo da forma como é apresentada. Somos consumidos por um universo fotográfavel. Estamos tão acostumados com as imagens que já não questionamos seu valor e nem paramos para realmente prestar atenção no que aquela fotografia quer nos dizer. O fotógrafo se tornou uma peça pouco significativa no mundo da indústria fotográfica.

A imagem técnica surgiu como forma de nos poupar trabalho, mas acabou por alienar a população do que realmente acontece ao apresentar, sem parar, imagens que para a massa não tem significado. Participar desse universo fotográfico significa viver e agir em função do ato de fotografar.

Arte, do latim “ars”, “artis”, vem de “agere”, que quer dizer agir. É ação ou atividade. Artista é alguem que age, é um agente. Agir é um processo concreto individual. Esse agir do artista é o segundo centro de uma elipse, cujo primeiro é o ver do filósofo. É a união da praxis (ação), método empregado para expressar concretamente a sua visão abstrata com a theoria (visão), ultravidência genial. A primeira tarefa (theoria) é do gênio, a segunda (ação) é do talento; o gênio é a visão, ou concepção, e o talento é a execução. O gênio conceptivo manifesta a sua inspiração por meio do talento executivo. O verdadeiro filósofo-artista é um gênio-talento; um vidente-agente. Todo artista deve ser um universo bipolarizado, uma elipse bicentrica, como os átomos e os astros, como todas as coisas que pervasem o cosmos. A filosofia é uma visão abstrata da verdade universal; a arte é uma ação concreta da beleza universal; unidade da visão na pluralidade da ação.

Não há círculos no universo, há somente elipses. No universo tudo é bipolar; dual. Átomos e astros giram em trajetórias bicentricas, nenhum deles conhece órbita unicentrica. A elipse bicentrica demonstra harmonia, é atividade, vida; circulo unicentrico seria monotonia, passividade, morte. O cosmos para nós é o universo; faz composição entre nós e o Todo de forma harmônica. O Universo é puro e belo. A verdade do Uno infinito, na beleza dos versos finitos. Simbolizado por um ponto (Uno) que se dispersa em diversos raios (verso), lembrando a imagem representativa do sol, que é luz. Enquanto o homem está em harmonia e consonância com o Todo, sua obra (informação), fruto do trabalho (ato de produzir e informar), é pura e bela. Porém quando perde essa harmonia, torna-se impura e feia.

A etimologia da palavra mundo” descende do latim “mundus” e significa “puro”, pela sua natureza. E para o grego o mundo era conhecido como “kosmos” e significa “beleza”. O substantivo alemão “Gestalt” hoje usado na psicologia e na arte, corresponde ao termo grego “kosmos”, ambos se referem a uma beleza de forma e composição, a um jogo de simetria e assimetria, jogo de positivo e negativo; uma harmonia de formas e de movimentos.

Filosofia vem de dois vocábulos gregos “philos” (amigo) e “sophia” (sabedoria), O filósofo é então, amigo da sabedoria. Sabedoria deriva da palavra latina “sapientia”, vem do verbo “sapere”, que quer dizer “saborear”, tomar gosto ou ter sabor pela vida; saber filosofia é o processo de saber por experiência imediata e direta o sabor da realidade, e esse saborear se chama Verdade.  A palavra “magia” provém da Língua Persa, “magus” ou “magi”, que significa sábio; é uma ciência oculta que estuda os segredos da natureza e a sua relação com o homem, criando assim um conjunto de teorias e práticas que visam ao desenvolvimento integral das faculdades internas espirituais e ocultas do homem, até que este tenha o domínio total sobre si mesmo e sobre a natureza.  Também pode significar algo que exerce fascínio, num sentido moderno, como por exemplo, quando se fala da magia do cinema.

Quando o artista, em visão genial, atinge o infinito imanente nos finitos, e dá forma concreta à sua visão abstrata, então ele leva as águas universais do Uno através dos canais individuais do Verso; do latim “vertere”, significa “verter”, derramar.  O verdadeiro artista tem de visualizar o Todo invisível em todas as partes visíveis. E por outro lado, deve ser capaz de exprimir de algum modo concreto esse conteúdo abstrato; deve dar forma ao sem forma, colorido ao incolor; deve saber manifestar o imanifesto. Nesse processo o artista não deve tentar injetar, induzir algo em sua visão; deve eduzir algo de dentro da realidade visualizada em theoria, conceitos.

Ética é a teoria, a prática é a moral; dois aspectos de uma vivência política baseadas nos costumes. A política, como forma de atividade ou de práxis humana, está estreitamente ligada ao de poder; o poder político é poder do homem sobre outro homem, descartado outros exercícios de poder, sobre a natureza ou os animais, por exemplo. Poder, que tem sido tradicionalmente definido como "consistente nos meios adequados à obtenção de qualquer vantagem" (Hobbes) ou, como "conjunto dos meios que permitem alcançar os efeitos desejados" (Russell). O termo política é derivado do grego antigo πολιτεία (politeía), que indicava todos os procedimentos relativos à pólis. Por extensão, poderia significar tanto cidade-estado quanto sociedade, comunidade, coletividade e outras definições referentes à vida urbana.

Sócrates acreditava que o melhor modo para as pessoas viverem era concentrando no próprio desenvolvimento ao invés de buscar a riqueza material. Convidava outros a se concentrarem na amizade e em um sentido de comunidade, pois esse é o melhor modo de se crescer como  população. Suas ações eram provas disso: ao fim de sua vida, aceitou sua sentença de morte quando todos acreditavam que fugiria de Atenas, pois acreditava que os seres humanos possuíam certas virtudes, tanto filosófica quanto intelectuais. Dizia que a virtude era a mais importante de todas as coisas. E acreditava que as idéias pertenciam a um mundo que somente os sábios conseguiam entender.



A natureza do universo é a única base autêntica para a filosofia e a arte, para toda e qualquer espécie humana. O que não está de acordo com a constituição cósmica do Universo
não é Verdadeiro, Bom e Belo. 
 Filosofia da Arte - Huberto Rohden