sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O Código Moderno


Torre de Babel, Escher

"Ao ensinar-nos um novo código visual, a Fotografia transforma e amplia
 nossas noções  sobre o que vale a pena olhar e o que efetivamente podemos observar. 
Ela constitui uma gramática e, o que é ainda mais importante,
 uma ética do ver.” 
                   Susan Sontag




Ao explicitar o universo das imagens fotográficas como a base da nossa realidade, Susan Sontag em "Ensaios Sobre a Fotografia", se utiliza do mito da Caverna de Platão como parâmetro, e demonstra que é necessário destrinchar antologicamente a Fotografia para sairmos do confinamento da caverna com suas imagens projetadas da realidade. Necessitando assim, aprender o novo código visual, pois ele determina o nosso modo de olhar.  Considera as relações da fotografia com a arte, a consciência da realidade, o conhecimento científico e a beleza. Examina através da história da fotografia, e da arte, as distorções tanto estéticos como também morais, levantados pela presença e autoridade das imagens fotográficas na vida cotidiana.

Segundo a autora, existem características na imagem fotográfica: uma fidelidade visual da verdade real, através de uma transparência seletiva da escala reduzida, fragmento do mundo, numa determinada fração de tempo; como objeto, ela é fácil de carregar, nos motiva a colecionar e acumular, criando um “grande dicionário do mundo”, como num museu particular.

Quanto sua função social, além do uso comum em ritos familiares, ela está entre o turista e o desconhecido, ajudando-o a dominar o espaço. Porém, sua principal função é de comprovar e de denunciar, e desde que a policia de Paris utilizou a fotografia contra a Comuna de Paris, em 1871, os Estados Modernos utilizam no controle e vigilância no seu obscuro panóptico.  Pois ela é instrumento de poder, como carros e revolveres, e há semelhança entre o “apontar e apertar o gatilho” de uma máquina fotográfica a de um revolver. Sua tecnologia e potência são relacionadas como às do automóvel, embora este exija habilitação e conhecimento específico para o uso; agressividade direcionada para um mundo cada vez mais asfixiado de imagens.

 O ato de fotografar é comparado a um divertimento igual ao ato sexual ou de dançar, diferente da pessoa que é fotografado, não apresenta passividade e sim uma atividade semelhante de um voyeur; não somente observa, mas participa de forma independente, sem intervir, pois quem intervém é incapaz de registrar. Assim fotografar é, segundo a autora, interessar-se pelo statu quo, que vem da expressão in statu quo res erant ante bellum, uma expressão latina que designa o estado atual das coisas, seja em que momento for.

Em um mundo em constante transformação, não só física, mas também social, a fotografia se tornou um elo com o passado, uma espécie de máquina do tempo, sendo assim um memento mori. E ao fotografarmos, participamos da vulnerabilidade temporal das coisas. A fotografia e sua relação com o tempo valorizam tanto a arte temporal como a informação histórica. Preenchem vazios no retrato mental, tanto do presente quanto do passado.

Aponta um fator psicológico da fotografia, causada por essa separação com a coisa retratada, provocando artificialidade e ilusão, perjurando a vida moral do indivíduo sem que ele esteja consciente, apesar da fotografia poder lhe despertar consciência. Acostumado à imagem, onde ela perfura e anestesia a visão, não nos damos conta de quanto estamos imersos em imagens do horror.

 A fotografia é um objeto que transforma o aspecto visual em beleza, e a etimologia do nome calótipo que Fox Talbot, 1841, patenteou seu aparelho fotográfico significa: grafia de beleza, por "Kalo" significar Belo. No início do século XX, a fotografia influenciada pelo ideal de Whitman, introduz uma nova subjetividade na concepção poética, a idéia de totalidade. Walt Whitman, que em seus poemas eleva a condição do homem moderno, exprime poemas visionários, num ideal de unidade cósmica que o EU representa; influenciou todo o lirismo moderno ditado pela cultura norte americana, e seus ideais influenciaram Walker Evans, e o Alfred Stieglitz que durante a publicação da revista Camera Work  fomenta através das imagens a teoria e concepções whitmanescas. Assim buscavam imagens idealizadas, e toda fotografia valoriza seu tema, então, não há tema que não possa torna belo. 


              Através de Edward Steichen, na exposição “Family of Man”, realizada em 1955, e a Diane Arbus na mostra do seu trabalho em 1972, determinam dois estilos diferentes de expressar esses novos ideais: Steichen pressupõe uma condição ou natureza humana comum a todos; nega o peso determinante da história – das verdadeiras diferenças, injustiças e conflitos; Arbus rejeita a política, pois sugerem um mundo em que todos isolados são cristalizados em identidades e nos relacionamentos mecânicos. Nesta estética do grotesco, a autora compara as obras de Arbus com as de Warhol, os dois contemporâneos e fruto desta sociedade norte americana, viciadas em “imagens freaks”.

Sua natureza, a fotografia, é arte surreal em concepção e ideologia. As características antológicas da fotografia e do seu funcionamento testificam e materializam os conceitos trabalhados no surrealismo. Influenciados por Freud, os surrealistas buscavam imagens que provinham do inconsciente, porém não compreenderam que estes conceitos de irracional, inassimilável, brutalmente emotivo e misterioso estavam embutidos no conceito de Tempo.

Como a estética que aspira a ser política, o surrealismo opta pelos direitos de uma realidade instável e não-oficial. A fotografia auxiliou a denunciar e documentar as diferenças sociais. E o fotógrafo contempla esta realidade com curiosidade, desprendido e onipresente, opera como se sua atividade transcendesse os interesses de classes. Estas características da fotografia se confundem com o conceito flâneur  de Baudelaire; adepto da observação, conhecedor da empatia, o flâneur acha mundo “pitoresco”, e não se sente atraído pela realidade não-oficial que está por detrás da fachada da vida burguesa. A fotografia como documento social era o instrumento de uma atitude essencialmente de classe média, zelosa e tolerante, curiosa e indiferente; humanista.


           Quanto o valor de registro e documentação da fotografia, objeto surreal, a autora versa sobre suas qualidades temporais de preservação patrimonial. Transcreve Berenice Abbott: "O fotógrafo é o ser contemporâneo por excelência; através de seus olhos, o presente se torna passado".  
      

          Difere em dois tipos de fotógrafos que documentam, e sugere uma fotografia-ciência no modo de fotografar. Como trabalho de August Sander, que inicia um inventário do povo alemão a partir de 1911, que através da sua neutralidade, faz dele um exemplo de foto-cientista; definiria um novo olhar para as ciências tipológicas como: frenologia, criminologia, a psiquiatria e a eugenia. Ao final a autora compara as fotografias de Sander e seu método com a Farm Security Administration (FSA) , como modelos de documentação européia e americana, respectivamente. A fotografia na europa orientava-se pelos conceitos do pictorialismo (o exótico, o antigo e os pobres), a importância (ricos e famosos) e do belo; buscavam a neutralidade. A fotografia americana pressupõe um vínculo mais sumério, e menos estável  com a história; uma relação com a realidade geográfica e social mais propagandista. 


             A facilidade com que é possível fotografar e os resultados da relação com a câmara, sugere conhecimento, isso significa que a fotografia impulsionou às pretensões cognitivas da visão. E são duas as formas de conhecimento na fotografia: conhecimento lúdico e preciso, ou um modo pré-intelectual e intuitivo.


          O ato de pensar é visto como algo que obscurece a transparência da consciência do fotógrafo, e infringe a autonomia fotográfica. Defendido por fotógrafos consagrados, o estado de vazio seria uma imersão transcendental na realidade, de forma que o tempo se dilata e a velocidade de ação é igual a do pensamento. A coisa fotografada é reflexo do fotógrafo, e como pensava Lange e Minor-White, o universo interno é refletido externamente em imagens. Assim o ato de fotografar seria simplesmente uma expressão de temperamento.

Moholy-Najy defende uma auto-omissão, uma transformação psicológica da visão, e em 1936, ele amplia pra mais oito variantes da visão fotográfica: abstrata, exata, rápida ou lenta, intensa, penetrante, simultânea e distorcida. Porém estes são focos onde a fotografia é anticientífica, e segundo Robert Frank: “Há uma coisa que a fotografia deve conter: a humanização do momento.”. Isso demonstra um conflito entre a subjetividade e a objetividade, e durante um período marcado por Stieglitz e Weston, a fotografia que era avaliada por critérios de iluminação, composição, clareza do tema, definição precisa do foco e qualidade da imagem, cairam com a democratização da fotografia.

Num fim de ciclo, a autora retoma questões sobre a realidade, e difere a imagem fotográfica da imagem platônica ilusória. Outros defensores do real como Feuerbach desacreditava a imagem fotográfica, porém a fotografia não é sombra do real, mas sim registro de uma emanação, pois seria um vestígio do material fotografado; já que a fotografia são ondas de luz refletidas pelo objeto em um determinado tempo. A fotografia, diferente do que Platão pensava sobre as imagens, são realidades materiais, rica em informação das coisas que as emanou.