domingo, 7 de abril de 2013

Imagem: Linguagem da Memória




Fuga de Kim Phuc (foto: Nick Ut)

"...o passado não pode ser apreendido por nós como passado a menos que sigamos e adotemos o movimento pelo o qual ele se manifesta em imagem presente, emergindo das traves para a luz do dia." 

Bergson,"A memória ou os graus coexistentes da duração"




A memória depende de uma linguagem para ser transmitida. A linguagem fornece, a cada indivíduo e sua sociedade, os meios de dominar a própria memória. É ela tributária das experiências vividas, seu léxico e sua sintaxe. É o meio de exteriorizar a memória sob a forma de uma narração, tornando-a acessível a todos; lembranças são contadas aos outros, e assim continuamente. Buscando uma identidade variável, tanto o indivíduo quanto sua memória constrói uma identidade narrativa, uma identidade construída na mudança.

É a linguagem que nos incentiva a cultivar a memória, e aperfeiçoá-la. Através de uma série de técnicas capazes de controlar ou de reforçar seus conteúdos, a linguagem, modela a memória no seu conteúdo mais íntimo, pois, retém e organiza os dados. Faz entrar na memória individual informações que jamais teriam sido percebidas ou colhidas.

O ato de comunicar é a materialização do pensamento e sentimento em signos. Estes símbolos são transmitidos e reinterpretados pelo receptor. A comunicação é um processo que envolve a troca de informações, e utiliza os sistemas simbólicos como suporte para este fim. Sendo um canal a imagem, o homem emite e recebe as mensagens inseridas nela. Decalcam-se em nosso pensamento como projeções, mensagens, representações na memória, instantâneas ou duradouras, como se pensar fosse ver e ver fosse pensar, numa circularidade interrompível. Uma primeira imagem que define o tom da narrativa e, predomina então, a abertura do caminho na senda para o futuro. Contra as adversidades que a natureza impõe: o esquecimento.

Imagens são objetos históricos, dos seus tradicionais registros mais antigos em cavernas às pinturas renascentistas até em imagens técnicas[1] da civilização de hoje, dependem das variáveis de técnica e estética, do contexto histórico que as produziram e também das diferentes visões de mundo que concorrem no jogo das relações sociais. É representação do mundo concreto real, longe de ser o real, pois é algo simplificado e possui imperfeição. É uma abstração de duas das quatro dimensões de tempo-espaço; subtração da profundidade, pois a imagem é plana e atemporal, que apesar de seus elementos denotem de quando foi feita, existirá em vários momentos. Ela é conotativa e cada elemento significa o outro, provoca uma leitura circular, e o tempo do olhar na imagem é um eterno retorno cognitivo. Sua função é de mediadora entre o homem e mundo, servem de parâmetro para a interpretação do mundo concreto.

A visualidade e seu circuito comunicativo projetam para o futuro as imagens produzidas num certo presente, como uma mensagem que se processa através do tempo, como documento e monumento[2], compondo o tempo da experiência de projetar um mundo pleno de significados e visualmente relevante. Na passagem do visível para o visual, foi necessário reconhecer e, de certa maneira, integrar três modalidades de tratamento[3]: o documento visual como registro produzido pelo observador; o documento visual como registro ou parte do observável, na sociedade observada; e, finalmente, a interação entre observador e observado. O que é visualmente relevante no presente chega ao futuro como um passado visível. O agenciamento das imagens ao longo do tempo é mediado por um conjunto de práticas sociais de rememoração e esquecimento, distinguindo o que merece, ou não, ganhar destaque na produção de certa memória social dos grupos, família e nações.

Os modos de representação do espaço influem nas imagens da cidade e, estas repercutem nas posições que os sujeitos assumem a respeito das ações propostas para a coletividade. Transformações manifestadas na cidade contemporânea em sua busca incessante pelo progresso aniquilando marcas do passado. Em um mundo em constante transformação, não só física, mas também social, a fotografia (imagem técnica) se tornou um elo com o passado, uma espécie de máquina do tempo, sendo assim um memento mori. E ao fotografarmos, participamos da vulnerabilidade temporal das coisas. A fotografia e sua relação com o tempo valorizam tanto a arte temporal como a informação histórica. Preenchem vazios no retrato mental, tanto do presente quanto do passado.

Como resultado de uma atividade da visão, a fotografia produz um registro sensível da experiência social, através de um aparelho, a câmera fotográfica. Registra-se a experiência vivida em um determinado tempo presente. Assim, a prática fotográfica circunscreve um espaço social, cujo primeiro objetivo seria compor uma imagem do tempo vivido ou tempo da experiência observada. O que se vê e se considera digno de registro, define uma visualidade historicamente determinada por uma economia de sentidos e seleção de representações, associadas distintamente aos diferentes grupos sociais.


Caracterizada como fruto pós-histórico,
 torna-se assim, consequência de todo ato humano, pois 
tudo tende a ser registrado pela a imagem técnica.

"A Filosofia da Caixa Preta",          
Vilém Flüsser.




Pontos de vistas diferentes sobre o mesmo episódio, 11 de Setembro de 2001, World Trade Center - USA.







[1] Vilém Flüsser descreve e conceitua a imagem ténica em A Filosofia da Caixa Preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia: Ed.Relume Duará, Rio de Janeiro, 2002.
[2] LE GOFF, Jacques. Memória. In: _____. História e Memória. 5ª ed. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 2003.
[3] MENESES, Upiano. Revista Brasileira de História, vol. 23, nº45.