Bergson,"A memória ou os graus coexistentes da duração"
A memória depende de uma
linguagem para ser transmitida. A linguagem fornece, a cada indivíduo e sua
sociedade, os meios de dominar a própria memória. É ela tributária das experiências vividas,
seu léxico e sua sintaxe. É o meio de exteriorizar a memória sob a forma de uma
narração, tornando-a acessível a todos; lembranças são contadas aos outros, e
assim continuamente. Buscando uma identidade variável, tanto o indivíduo quanto
sua memória constrói uma identidade narrativa, uma identidade construída na
mudança.
É a linguagem que nos
incentiva a cultivar a memória, e aperfeiçoá-la. Através de uma série de
técnicas capazes de controlar ou de reforçar seus conteúdos, a linguagem,
modela a memória no seu conteúdo mais íntimo, pois, retém e organiza os dados.
Faz entrar na memória individual informações que jamais teriam sido
percebidas ou colhidas.
O ato de comunicar é a
materialização do pensamento e sentimento em signos. Estes símbolos são
transmitidos e reinterpretados pelo receptor. A comunicação é um processo que
envolve a troca de informações, e utiliza os sistemas simbólicos como suporte
para este fim. Sendo um canal a imagem, o homem emite e recebe as mensagens
inseridas nela. Decalcam-se em nosso
pensamento como projeções, mensagens, representações na memória, instantâneas
ou duradouras, como se pensar fosse ver e ver fosse pensar, numa circularidade
interrompível. Uma primeira imagem que define o tom da narrativa e, predomina
então, a abertura do caminho na senda para o futuro. Contra as adversidades que
a natureza impõe: o esquecimento.
Imagens são objetos
históricos, dos seus tradicionais registros mais antigos em cavernas às
pinturas renascentistas até em imagens técnicas[1] da
civilização de hoje, dependem das variáveis de técnica e estética, do contexto
histórico que as produziram e também das diferentes visões de mundo que
concorrem no jogo das relações sociais. É representação do mundo concreto real,
longe de ser o real, pois é algo simplificado e possui imperfeição. É uma abstração de duas das quatro dimensões de
tempo-espaço; subtração da profundidade, pois a imagem é plana e atemporal, que
apesar de seus elementos denotem de quando foi feita, existirá em vários
momentos. Ela é conotativa e cada elemento significa o outro, provoca uma
leitura circular, e o tempo do olhar na imagem é um eterno retorno cognitivo.
Sua função é de mediadora entre o homem e mundo, servem de parâmetro para a
interpretação do mundo concreto.
A visualidade e seu
circuito comunicativo projetam para o futuro as imagens produzidas num certo
presente, como uma mensagem que se processa através do tempo, como documento e
monumento[2],
compondo o tempo da experiência de projetar um mundo pleno de significados e
visualmente relevante. Na passagem do visível
para o visual, foi necessário reconhecer e, de certa maneira, integrar três
modalidades de tratamento[3]: o
documento visual como registro produzido pelo observador; o documento visual
como registro ou parte do observável, na sociedade observada; e, finalmente, a
interação entre observador e observado. O que é visualmente
relevante no presente chega ao futuro como um passado visível. O agenciamento
das imagens ao longo do tempo é mediado por um conjunto de práticas sociais de
rememoração e esquecimento, distinguindo o que merece, ou não, ganhar destaque
na produção de certa memória social dos grupos, família e nações.
Os modos de representação
do espaço influem nas imagens da cidade e, estas repercutem nas posições que os
sujeitos assumem a respeito das ações propostas para a coletividade. Transformações
manifestadas na cidade contemporânea em sua busca incessante pelo progresso
aniquilando marcas do passado. Em um mundo em constante
transformação, não só física, mas também social, a fotografia (imagem técnica) se
tornou um elo com o passado, uma espécie de máquina do tempo, sendo assim um memento
mori. E ao fotografarmos, participamos da vulnerabilidade temporal das
coisas. A fotografia e sua relação com o tempo valorizam tanto a arte temporal
como a informação histórica. Preenchem vazios no retrato mental, tanto do
presente quanto do passado.
Como resultado de uma
atividade da visão, a fotografia produz um registro sensível da experiência
social, através de um aparelho, a câmera fotográfica. Registra-se a experiência
vivida em um determinado tempo presente. Assim, a prática fotográfica
circunscreve um espaço social, cujo primeiro objetivo seria compor uma imagem
do tempo vivido ou tempo da experiência observada. O que se vê e se considera digno de
registro, define uma visualidade historicamente determinada por uma economia de
sentidos e seleção de representações, associadas distintamente aos diferentes grupos sociais.
Caracterizada como fruto pós-histórico,
torna-se assim, consequência de todo ato humano, pois
tudo tende a ser registrado pela a imagem técnica.
tudo tende a ser registrado pela a imagem técnica.
"A Filosofia da Caixa Preta",
Vilém Flüsser.
Pontos de vistas diferentes sobre o mesmo episódio, 11 de Setembro de 2001, World Trade Center - USA.
[1] Vilém Flüsser descreve e conceitua a imagem ténica em A
Filosofia da Caixa Preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia: Ed.Relume Duará, Rio
de Janeiro, 2002.
[2] LE GOFF, Jacques. Memória. In: _____. História e Memória. 5ª ed. Campinas, SP:
Editora UNICAMP, 2003.
[3] MENESES, Upiano.
Revista Brasileira de História, vol. 23, nº45.